O narcisismo político enquanto patologia possui ‘hereditariedade cronológica’ nas monarquias mais pestíferas que a história já registrou. | Imagem: Divulgação/PVA.
O narcisismo político enquanto patologia possui ‘hereditariedade cronológica’ nas monarquias mais pestíferas que a história já registrou. | Imagem: Divulgação/PVA.

Quando eu conheci a obra feérica de Augusto dos Anjos e mergulhei mais detidamente nela, encontrei uma coisa forte, que elevou em mim a certeza inconcussa de que jamais se deve zombar da esperança alheia. Li no livro “Eu” (1912), o poema “A Esperança”, em cujo fundamento está: “A Esperança não murcha, ela não cansa, também como ela não sucumbe à crença, vão-se sonhos nas asas da descrença, voltam sonhos nas asas da Esperança”. Um ser humano sem esperança é um ser que carrega no seu íntimo o domínio sentimental da incredulidade, da rudeza e do desespero velado.

Augusto dos Anjos era conhecido como o “Poeta da Morte”, mas se encaixou nas premissas do paradoxo mais autêntico quando exaltou em sua obra a esperança como um componente elementar à dignidade da pessoa humana. E brincar com as esperanças dos outros é o mesmo que não crer na dignidade essencial. É o que faz um gestor público que tem nos pressupostos do narcisismo doentio o sentido cabal de sua própria existência, tornando a gestão pública decorosa – um sacerdócio espiritual da honra de um bom gestor – um palco de boçalidades e de benefícios pessoais e de seus asseclas. O gestor público narcisista nunca é assertivo, mas estúpido, sendo quase sempre vago e demagógico.

Augusto dos Anjos o poeta da morte
Augusto dos Anjos, denominado o “Poeta da Morte”, exarava em sua obra forte presença da temática morte e do pessimismo, mas versava sobre a Esperança como um elemento substancial à existência. | Imagem: Divulgação/PVA.

O narcisismo político enquanto patologia possui ‘hereditariedade cronológica’ nas monarquias mais pestíferas que a história já registrou. Este denominado gestor público narcisista – sofista ‘coisificador’ de gentes – sempre canta o maviosamente o ‘hino do eu’ (e é o único que ele sabe de cor e salteado), onde o seu ego – que não costuma suportar críticas – se sobrepõe ao senso institucional, às premissas da legalidade, ao princípio da moralidade e às necessidades prementes da coletividade, como faziam os antigos imperadores cruéis. Ele não aprecia e desconhece a ideia de esperança alheia. Esse gênero de gestor público sempre age às avessas e é revanchista e vingativo, quando deveria ser em verdade um ‘vingador’, libertador do povo de tudo aquilo que o nulifica, sobremodo das gadanhas da opressão e dos desmandos dinásticos da arcaica política que nos assola.

O narcisista político (ou o político narcisista) não sabe perder, e não compreende a significação do vocábulo derrota, e acredita que qualquer coisa ou ato que realize para se sentir sobranceiro aos outros, seja vitória ou triunfo. Quando se sente derrotado ou vencido, hostiliza tudo e todos ao redor. Acerca de tal sentido, como diria Sócrates: Quando o debate se perde, a calúnia e a perseguição se tornam a ferramenta do perdedor. O velho Freud destaca o narcisismo como uma doença, que nasceu no mito, um transtorno de personalidade que passa a ser uma condição psiquiátrica extremamente complexa. Ela estabelece, in casu, no gestor público, um padrão generalizado de pseudo-grandiosidade, e desenvolve comportamentos considerados excessivamente egocêntricos e eivados de vaidade patológica.

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O velho Freud destaca o narcisismo como uma doença, que nasceu num mito, um transtorno de personalidade que passa a ser uma condição psiquiátrica extremamente complexa. Pensamos assim, que tal transtorno estabelece no gestor público um padrão generalizado de pseudo-grandiosidade. Imagem: Divulgação/PVA.

É ostensiva a percepção de que o gestor público coloca a sua vaidade pessoal bem na dianteira, em detrimento dos interesses coletivos, tratando os outros seres humanos como meros objetos materiais que estão muitíssimo abaixo de seu mandato e de seus hábitos estúpidos. Notadamente, vemos que muitas vezes o ‘espelho do ego’ tem mais valor do que as esperanças da cidade, do estado, do país, do povo… Ele faz ‘dancinha’ de esbórnia e meninices, ele insulta, ele come ‘carne de ouro’ (como fez recentemente o comunista To Lam), ele grita, ele é simbolista, ele mente, ele ilude, ele engana, ele fala: “Meu povo!”, ele diz: “Minha gente!”, ele esbraveja: “Olá, pessoal!”, ele costuma enxergar ‘coisa boa’ na desgraça do seu desmazelo administrativo e da sua ingerência pública… coisas do narcisismo. Difícil negar que os impactos desse comportamento ignóbil sejam devastadores, como nós assistimos reiteradamente aqui, ali, alhures.

Não conheço uma única pessoa nesta vida que duvide que um homem público narcisista seja capaz de engendrar aliançamentos e compadrios políticos incogitáveis, em busca de um poder cego e narcisista. Acreditar em um gestor público narcisista é fácil, e fácil demais até!… A crença nas promessas de um político narcisista é muito mais simples do que a incredulidade vigente em coisas que consideramos um tanto utópicas e controversas, como são, por exemplo, os termos promissores da Justiça Restaurativa; como é a ausência de corrupção e de peculato em nosso país, e como é a esperança intransigente de que a criminalidade seja reduzida a pó.

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O gestor público narcisista costuma enxergar ‘coisa boa’ na desgraça do seu desmazelo administrativo e da sua ingerência pública. | Foto: Divulgação/PVA.

A simbologia corrosiva da cretinice, aquela que impõe aos povos a concepção de um poder político morbígeno, exercido por um gestor público narcisista, também é um dos componentes que o definem de modo severo. Cores, marcas, logotipos, imagens, gestos e outros sinais manuais exagerados que fogem de um marketing pessoal aceitável, se tornam perniciosos e onerosos, mas são imprescindíveis ao gestor narcisista para alinhavar os seus exageros.

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A simbologia corrosiva da cretinice, aquela que impõe aos povos a concepção de um poder político, cultural e social morbígenos. Políticos narcisistas adoram símbolos exacerbados. | Imagem: Divulgação/PVA.

Nenhum outro episódio mais marcante me ocorre aqui, senão o “Charging Bull” – o afamado “Touro de Wall Street” –, para descrever a força do poder econômico imposta pelo narcisismo institucionalizado, que apesar da venustidade plástica indiscutível (e muitíssimo imitada), guarda em sua ‘medula política’ a linguagem clara da imponência monetária e de invencibilidade potestativa, tal qual o fazem os mais famigerados gestores públicos que são cativos incontestáveis do narcisismo.

Adequado ressaltar que essa vaidade não tem somente a natureza plástica ou figurativa, mas é muitíssimo mais ideológica antes de tudo. O “Charging Bull” vislumbra o horizonte bem na sua frente, soberbo, ufano, pedante, emitindo o sentido de futuro exclusivamente ganancioso, e a sua carnadura arquetípica e imponente avulta o culto inexorável ao poder plutocrata, condição sine qua non de evidência narcisista, onde o fracasso, mesmo sendo patente nas suas múltiplas formas, não é admitido de jeito nenhum, bem como a vaidade exacerbada que não concebe limites morais e tampouco complacência social.

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“Charging Bull” – o afamado “Touro de Wall Street” –, para descrever a força do poder econômico imposta pelo narcisismo institucionalizado. | Foto: Divulgação/PVA.

Para o narcisismo não existem lados: nem ideologia, nem partido… O gestor público narcisista é um mestre na liturgia de perceber o povo por espelhos egoísticos, voltados sempre para dentro do seu próprio eu, e ele jamais governa, somente caracteriza-se e iconiza-se; e não lidera nem inspira, inflige medo, necessita de adulação do servilismo – como um cão que precisa de ração para não morrer – porque tem nas mãos o poder, e os bajuladores jamais veneram a sua pessoa, mas se rendem aos pavores de perda dos privilégios que a subserviência promove. A vocação mais cabal do gestor público narcisista é o culto à riqueza e à autoimagem, transformando o ideal do serviço público num palanque de vaidades e de represálias.

Em suas campanhas, o gestor público narcisista hipoteca a sua palavra em forma de promessas que vêm à proa de uma canoa de sorrisos ensaiados, mas que não passam de um espelho trincado, e o compromisso anunciado é ordinariamente inadimplido e transgredido. O político narcisista, a bem da verdade, no frigir dos ovos, lá no fundo das ponderações mais reais, é um desesperado por causa da transitoriedade irremissível de seu poder, e da perene necessidade de ser amado, mesmo sem merecer, mas quando as luzes do egocentrismo se apagam, ele estremece por causa do vazio inundante que ecoa alto dentro do seu camarim doentio. E enquanto os anseios do povo sangram em abandono social, ele dorme já pensando no dia seguinte para recomeçar a teatralização. Um dia, o espelho não responderá mais.

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O gestor público narcisista é excêntrico: ele faz ‘dancinha’ de esbórnia e meninice, ele insulta o povo, ele come ‘carne de ouro’ (que o diga To Lam), ele grita, ele é simbolista, ele mente, ele ilude, ele engana, ele fala: “Meu povo!”, ele diz: “Minha gente!”, ele esbraveja: “Olá, pessoal!”. | Foto: Divulgação/PVA.

Somos apenas objetos nas mãos do gestor público narcisista, e os nossos anseios, sonhos e esperanças, não passam de renitência desnecessária e olvidável, diante dos desideratos intimistas dele, e o narcisismo, nesse contexto, dar-se a conhecer por meio da obstinação insaciável pela louvação pessoal, onde o político narcisista não intenta ser a expressão do povo, mas representa a si mesmo diante dum povo relegado. Penso que a democracia se enferma gravemente quando um suposto governante se pressente como um fim em si mesmo, e jamais como um meio.

Esperamos por um tempo igualmente utópico em que a dormência social se acabe de vez, e que os povos saibam escolher governantes mentalmente saudáveis, que não aniquilem os seus sonhos e nem a sua esperança, e não façam os povos sentirem que estão mortos socialmente. Daqui da grande aldeia, fazemos uma ‘ponte sociológica’ para Paris, ululando pelo ensinamento de Victor Hugo, sobre morrer e viver: “O problema não é morrer, mas deixar de ter vivido”… Ele está certo em seu pensamento pontual. Assim, afirmo que deixar de ter esperanças apenas porque governantes doentes não estão nem aí para os nossos sonhos, é o mesmo que estar morto. Temos é que aprender a escolher líderes sãos… e menos estúpidos.

Foto de Paulo Queiroz

Paulo Queiroz

Escritor, poeta, editor, antropólogo e professor universitário. Comendador pela Câmara Brasileira de Cultura (CBC). Radialista e jornalista: MTb 0001421-DRT/AM, Matrícula nº 3857. Presidente da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-Amazônicos (ABEPPA) e da Academia de Letras, Ciências e Culturas da Amazônia (ALCAMA). Membro Honorário da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas (ACLJA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), da Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM), da Academia de Letras do Brasil (ALB/AM), entre outras. Professor de Ciência Política, Antropologia Jurídica, Metodologia do Estudo Jurídico, TCC, Filosofia do Direito, Iniciação Científica, Ética e Deontologia Jurídica e Direito Constitucional. Psicanalista Forense em formação.

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