Para Sêneca, o bem mais elevado do homem seria viver conduzido pelas mãos iluminadas da virtude, que a natureza sempre será insuficiente para o ganancioso, e que a ganância é devoradora de honras. | Imagem: Reprodução/PVA.
Para Sêneca, o bem mais elevado do homem seria viver conduzido pelas mãos iluminadas da virtude, que a natureza sempre será insuficiente para o ganancioso, e que a ganância é devoradora de honras. | Imagem: Reprodução/PVA.

Você pode até discordar, e eu respeito, mas a Ética é a vacina, a moral é o antígeno, a deontologia – mesmo com os seus limites – é o anticorpo, e a corrupção é a “bactéria” que se aloja no peito, e quando você vai combatê-la, ela se desloca em disparada para a cabeça, depois para os pés, para a consciência, para o estômago, para a alma… A verdade é que nunca a alcançamos para que se possa matá-la.

Por mais que, amiúde, apareçam alguns gênios advogando pelo contrário, a regra parece ser universal, e não admite exceções: tudo é absurdamente sensorial, e entenda-se por tudo, qualquer ato que nasça de nosso pensar. Caso você enxergue, sinta, pressinta; e caso se vire para a direita, a esquerda, para cima, para baixo, frente ou trás, você esbarrará nas distorções perversas que perambulam pelo ‘corredores do mundo’. Para cada ação que deteriora a esperança, um remédio. Há remédios eficientes, remédios paliativos e remédios que estão mais para placebo do que para substância curativa. Eu sou contemplativo de Aristóteles, nunca neguei, e para mais de 2.300 anos – lá para trás – o pensador ressaltava que a corrupção era algo peculiar apenas do mundo sublunar, ou seja, abaixo de tudo o que está nas esferas celestes, e que tudo que era terreno, era já inclinado à degeneração, ao que ele chamava de corrupção. Todo o resto era perfeito e eterno.

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Aristóteles destacou que a corrupção era algo peculiar apenas do mundo sublunar, ou seja, abaixo de tudo o que está nas esferas celestes. Todo o resto era perfeito e eterno. | Imagem: Reprodução/PVA.

Você pode até discordar, e eu respeito, mas a Ética é a vacina, a moral é o antígeno, a deontologia – mesmo com os seus limites – é o anticorpo, e a corrupção é a “bactéria” que se aloja no peito, e quando você vai combatê-la, ela se desloca em disparada para a cabeça, depois para os pés, para a consciência, para o estômago, para a alma… A verdade é que nunca a alcançamos para que se possa matá-la. Nem mesmo se consegue obter recortes contaminados dela, vez que seus poderes são demasiado imbatíveis. Eis os resquícios do escandaloso fatalismo político de agora. No pensar daqueles que enganam os povos, não há castigo vindouro, porque eles não creem nisso. E se não acreditam nisso, descreem também, lógico, da ovacionada “Lei da Semeadura”, da umbrática “Lei do Retorno”, tampouco acreditam na punibilidade, que para os tais é quimérica.

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Sempre haverá um sabor no “osso do poder”, que apenas os gananciosos sentem, cuja insaciabilidade adiposa os cega e os faz nutrirem-se dos infortúnios alheios. | Imagem: Reprodução/PVA.

Segundo o proeminente raciocinar de Sêneca, também há mais de 2.000 anos, o bem mais elevado do homem seria viver conduzido pelas mãos iluminadas da virtude; que a natureza sempre será insuficiente para o ganancioso, e que a ganância – que difere espiritualmente da ambição – é devoradora de honras. Trocando em miúdos, penso que o poder é um osso que ninguém quer largar, porque mesmo que não se enxergue carne nele, sempre haverá um sabor que apenas os gananciosos sentem, cuja insaciabilidade adiposa os cega e os faz nutrirem-se dos infortúnios alheios.

Nas praças emporcalhadas de uma cidade ‘metropolitana’ eu conheci um sujeito que desejou ser semente para inspirar os despojados, mas escolheu morar no chão da vergonha e do escárnio, porque tentou se suicidar no esmo da indiferença e da solidão, porém, percebeu a tempo que não poderia se desvencilhar da sociedade, então, decidiu viver com as moscas. E moscas havia de sobejo naquela cidade suja de chorume e pintada de desleixo. Era um tal Domênico, indivíduo demasiado trivial, exceto por sua figuração excêntrica no convívio com as moscas dos lixões espalhados pela cidade. Dizia que nada era mais especial do que o silêncio que elas faziam, bem diverso das falácias perniciosas dos políticos que visitavam os pobres com o propósito de apequenar a sua compreensão já minimizada.

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Não subestime as moscas. A hora de “fazer o limpa” já ficou lá para trás. Vamos voltar lá e repensá-la, sem mais perda de tempo, sem mais procrastinações. | Imagem: Reprodução/PVA.

Quase nada na existência de Domênico era fortuito, e quase tudo era causal. Não era antissocial, pelo contrário, era bem popular e distinto entre as pessoas. Deram-lhe como designação ‘batismal’ o epíteto físico de “Queixo de Mondrongo”, devido ao farto apêndice que caía de seu maxilar inferior. Uma agressão à estética, mas, contrastando com a sua disforme aparência facial, sobressaía uma inteligência rara no meio dos cidadãos que inchavam aquele lugar. Para proteger-se – não das moscas, mas dos embusteiros – tinha como arma principal, entre outras coisas, uma retórica letal, coisa que simbolizava em si uma indiscutível cadeia de valores morais, pois o seu comportamento irônico era corporificado em arranjos legais, racionais, sinceros e probos, e não em conjecturas particulares e intimistas, como faziam aqueles que se julgavam cheios de razões, aos quais ele chamava de eminências pardas, porque, já mesmo na antemanhã, bem cedinho, punham em prática a sua mania bajulatória diária de sobreviver; e era a única coisa que sabiam fazer, e que eles mesmos chamavam de talento.

Os políticos e as governanças, por sua vez, devido ao seu delírio narcisista acentuado, nutriam um comportamento rudimentar no trato com os pobres: ora os “amava”, ora os menosprezava. Suas posturas eram verdadeiras gambiarras de convívio social. Domênico, quando os criticava, deixava claro o quanto tinha uma língua perigosa, cujo fio era mais mortal do que as letais facas de jade dos Maias. Destruía com espantosa eficácia os homólogos partidários que se mostravam de baixíssima utilidade comunitária, e que, via de regra, intentavam vulgarizar o fazer científico, escarnecer os que estudavam, dissimular a necessidade dos povos e miserabilizar os adoradores da água, filhos de ribeirinhos, caboclos que se deixavam enganar, mas que não tinham medo de nada.

A chamada “probable cause”, isto é, a mais conjecturável motivação dessa aparente síndrome, que fazia Domênico desejar ser o arguto das moscas, em vez de ingressar numa carreira triunfante da docência e num destino mais promissor e glorioso, seria a paixão arrebatadora que nutria por Dionísio, o deus grego do vinho, cuja embriaguez consolidava no mestre das moscas uma espécie de ‘divinização’ na sua convivência harmoniosa com elas. Mestiço, de altura mediana e voz firme e clara, se comprazia em viver no centro da nuvem de moscas, e dentro dos dilemas dos povos; jamais antecipava juízo algum sem antes ouvir os seus desafetos, mas vomitava justiça sobre os discursos daqueles que buscavam demonizar a sua descendência negra. Ao mesmo tempo, repelia com terrível afã a afrocentricidade exagerada defendida pelos mais exaltados da esquerda febril e desagregadora.

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Domênico “Comia” livros feito pães, e criticava com a alma essa coisa corriqueira da delação premiada, como fazia Beccaria. Criminosos não merecem parcerias. | Imagem: Reprodução/PVA.

Certa vez, numa manhã de quinta-feira bem quente e formigante, dentro do “Mercado das Vacas”, em plena campanha, o rei das moscas foi confrontado por uma parlamentar reconhecidamente pacata e serena, dessas que o sorriso esbraveja a aleivosia e a ilusão. Ele ouvia atenta e respeitosamente as verborragias dela, observando o obscurantismo que irradiava da calma peculiar dos dissimulados, e soltava uns olhares de negativação a cada conjunto frasal eivado de estupidez disfarçada que saía da boca dela.

Domênico tinha um estigma: de louco miserável espiritual, de ideias delirantes, pois sua dedicação inconsciente às moscas muitas vezes o levava à excentricidade, que vezes se assemelhava a surtos psicóticos severos. Mas eram estigmas imerecidos, porque ele heroicamente falava aquilo que o povo não conseguia exprimir. Ele era uma espécie de “o ser aí!”, retratado (às avessas) em Heidegger, porque vivia como um ‘homem fisiológico’, apenas para comer, dormir e sobreviver. Mas ele lia muito. “Comia” livros que nem pães, e criticava com a alma essa coisa corriqueira da delação premiada, como fazia Beccaria. Criminosos não merecem parcerias, segundo pensava.

– Para quem tem o filho envolvido em delação premiada e outras condutas reprováveis, vossa excelência argumenta como quem se arma de elevado pedantismo, querendo se investir de uma racionalidade moral e ética que em nada corresponde à verdade dos fatos. Muito mais do que sorrir com dentes herméticos e luminosos, e falar com a precisão dos sofistas, subestimando a inteligência já questionável do povo, e nos julgar como apedeutas, a senhora precisa passear mais entre as moscas, sentir o cheiro pútrido dos lixões, e, no mínimo, comer pelo menos um bocado das sobras que caem das vossas patuscadas e luxúrias financeiras habituais – asseverou ele, deixando trêmula de ódio a veterana política.

Mas a audácia do arguto das moscas não passou em brancas nuvens não. A mulher, recuperando o fôlego perdido durante a fala de Domênico, revidou:

– Está para nascer um sujeito que me intimide ou que questione a minha reputação, muito menos um largado feito você, fedorento, horroroso e vagabundo! Os que tentaram, acabaram politicamente arruinados. Por mim, você terminaria de apodrecer era dentro de um calabouço, bem longe da sociedade, mas melhor mesmo é viver assim, emporcalhado e abandonado, porque a maioria das coisas que nos acontecem, são por real merecimento – finalizou ela, virando as costas e indo embora.

Mesmo ela se retirando do ambiente, juntamente com os seus correligionários imediatos, ele foi andando atrás, deixando depositados nos seus ouvidos as suas derradeiras palavras daquele fatídico encontro:

– Nada do que a senhora disser removerá os esteios da história nefasta da velha política, e nem a cultura de pensar do povo sobre o que vocês são! E nem mesmo nada do que a senhora fizer ou proferir, será capaz de tornar a minha vida pior ou melhor! Se a senhora tem medo da verdade, talvez isso indique a carreira que vossa excelência abraçou mereça desistência imediatamente, pois somente políticos atados à verdade, que é coisa bem rara, conseguem deglutir a sinceridade alheia sem precisar tentar humilhar ou nulificar ninguém! E digo mais, minha senhora, leve consigo esse prognóstico: a arrogância vai perder!… O pedantismo se arruinará!… A prepotência será derrotada!… Escreva aí, senhora parlamentar! – arrematou o senhor das moscas.

Sabe-se lá quando é mesmo que chegaremos a um conceito aproximado da perfectibilização sobre o que é a verdade verdadeira. A concordância e a uniformidade de opinião sobre esta tão controversa matéria, vai desde a distopia inimaginável à nitidez insondável das certezas trágicas. A verdade já ceifou incontáveis vidas, e certamente prosseguirá o seu ciclo infindável dilacerando espíritos por aí. Me lembro de Dworkin, que tece na mesma teia substâncias da verdade e do direito, perpassando pelo território auspicioso da mentira para aqueles que ignoram o destino e as suas consequências.

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Alexy, se opondo a Dworkin, sublinha frases fundamentais da verdade, destroçando fantasmas que desentendem o poder do Direito e a força do espinhaço da Justiça. | Imagem: Reprodução/PVA.

Para o outro lado marcha Alexy, se opondo a Dworkin, sublinhando frases fundamentais da verdade, destroçando fantasmas que desentendem o poder do Direito e a força do espinhaço da Justiça. A supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana é elástica, e a subjetividade é a sua estrada: viver com as moscas parece ser uma loucura, pelo menos para o Direito Consuetudinário, mas para a pessoa humana que escolhe esse destino, é dignidade, e não inferno, pois não há nada lá. Tanto magistral quanto impecável é o que ensina a tal respeito Shakespeare, ao proclamar que o inferno está vazio, porque todos os demônios estão aqui. Moscas podem ser melhores que ‘gentes’!

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Convém lembrar Dworkin, que tece na mesma teia substâncias da verdade e do direito, perpassando pelo território auspicioso da mentira para aqueles que ignoram o destino e as suas consequências. | Imagem: Reprodução/PVA.

Falta pouco para a nova chance da regeneração. Não subestime as moscas. A hora de “fazer o limpa” já ficou lá para trás, mas ainda dá tempo de repensá-la, voltando lá e trazendo-a de volta, sem mais perda de tempo, sem mais procrastinações. Vamos resgatá-la para o agora. As oportunidades se renovam a cada dois anos, é verdade, mas nós não! Somos irrepetíveis, por isso as chances são escassas, e o tempo urge. Repetere: No pensar daqueles que enganam os povos, não há castigo vindouro, porque eles não creem nisso. E se não acreditam nisso, descreem também, lógico, da ovacionada “Lei da Semeadura”, da umbrática “Lei do Retorno”, tampouco acreditam na punibilidade, que para os tais, é quimérica. Falta pouco para a nova chance da regeneração! Esteja pronto!

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Paulo Queiroz

Escritor, poeta, editor, antropólogo e professor universitário. Comendador pela Câmara Brasileira de Cultura (CBC). Radialista e jornalista: MTb 0001421-DRT/AM, Matrícula nº 3857. Presidente da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-Amazônicos (ABEPPA) e da Academia de Letras, Ciências e Culturas da Amazônia (ALCAMA). Membro Honorário da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas (ACLJA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), da Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM), da Academia de Letras do Brasil (ALB/AM), entre outras. Professor de Ciência Política, Antropologia Jurídica, Metodologia do Estudo Jurídico, TCC, Filosofia do Direito, Iniciação Científica, Ética e Deontologia Jurídica e Direito Constitucional. Psicanalista Forense em formação.

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