Portal Voz Amazônica

Dom Sérgio Eduardo Castriani, um santo curioso no batelão

Sentei a lado de Dom Sérgio, naquele banco lateral de ripas envernizadas de madeira, com o vento correndo em nós, e ele, como aquele sorriso amoroso e tímido, iniciou um diálogo que eu jamais me esqueceria. – De onde vocês são? São membros de alguma igreja? E essas caixas bonitas aí, o que tem dentro delas?”

Manaus – Manhã de sexta-feira linda aquela, propícia para abraçar os povos, para sentir os respingos do banzeiro, para sentir o vento alargando a nossa cara. Uma manhã tão iluminada quanto os sorrisos dos membros do “Projeto Literatura Caminhante”, que partiam – desta feita – para a Comunidade Nossa Senhora de Fátima, lá na outra banda do “Negro”.

A Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-Amazônicas (ABEPPA) e a Academia de Letras e Culturas da Amazônia (ALCAMA), estavam disponibilizando 8 grandes gladiadores da Educação e das Letras para rasgarem aquelas águas a fim de cumprir mais uma missão marcante de expandir outra biblioteca pública. Eram mais 500 livros novos que seriam entregues às crianças e aos jovens da zona rural.

Dom Sérgio Castriani no “Diálogo de Batelão” com o escritor Paulo Queiroz – Foto: Portal Voz Amazônica.

Dom Sérgio Eduardo Castriani – que se tornaria em muito breve meu confrade de Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR) – estava sentado no seu lugar lateral daquele aconchegante ‘batelãozinho’ que nos levaria para o outro lado. Ele, contemplativo, observava sorridente a todos nós, que estávamos uniformizados com as camisas e crachás institucionais. Ele ia para a Missão do Coração de Maria do Tarumá-Mirim, também na mesma Comunidade para onde iríamos.

Um homem santo e curioso

Mandou que o assistente da Arquidiocese de Manaus que o acompanhava fosse me chamar, já que eu era o mais agitado, inquieto, enxerido e apresentado da equipe. Ele estava curioso acerca do que seria aquele projeto animado, sorridente e contagiante, todo padronizado, como é quando sempre viajamos com o Projeto Literatura Caminhante, inclusive as suas caixas personalizadas onde são colocadas as obras literárias lindas que nós entregamos nas cidades onde abrimos bibliotecas públicas.

Caixas que chamaram a atenção de Dom Sérgio Castriani, cheias de livros novos, do “Projeto Literatura Caminhante” – Foto: Synthia Queiroz/PVA.

Sentei a lado de Dom Sérgio, naquele banco lateral de ripas envernizadas de madeira, com o vento correndo em nós, e ele, como aquele sorriso amoroso, iniciou um diálogo que eu jamais me esqueceria. Perguntou o meu nome, e foi logo me dando bênção, após eu ter beijado a sua mão. Eu falei que era também um Eduardo, que nem ele. Ele me chamou de xará.

– Paulo Eduardo Queiroz, é o meu nome, querido bispo – disse eu.

– De onde vocês são? São membros de alguma igreja? E essas caixas bonitas aí, o que tem dentro delas? – perguntou ele, pleno de um ‘abelhudismo’ santo.

As perguntas de Dom Sérgio me encheram de uma alegria dominante, e de um entusiasmo peculiar. Eu, igualmente sorrindo, respondi cheio de um bom orgulho:

– Somos escritores, membros da Associação Brasileira de Escritores e Poetas Pan-Amazônicos (ABEPPA) e a Academia de Letras e Culturas da Amazônia (ALCAMA), e estamos para a Comunidade Nossa Senhora de Fátima entregar presentes em forma de livros. E essas caixas estão repletas deles, todos novos, cada um mais lindo que o outro. Tudo frutos de generosas doações.

– Nossa! Estou emocionado! Que lindo! – disse ele, me abraçando de lado.

– Estive aqui o tempo todo, extremamente curioso, observando o ânimo e a alegria jovial de vocês, esperando a coragem oportuna para perguntar do que se tratava isso. Mas, de cara, eu notei que era um importante projeto – completou Dom Sérgio, dando risadas mais entusiasmadas.

A serenidade e a timidez marcantes, de um homem de Deus extremamente generoso e sábio – Foto: Valmir Lima/Divulgação/PVA.

Conversamos ainda por mais algum tempo durante a viagem, e eu o apresentei aos membros da Comitiva. Seu gesto bondoso e sempre indulgente de se dirigir a nós era cativante. Víamos luz em um homem santo que já havia percorrido vários rincões mundanos amando almas, pessoas, gentes. Inclusive, durante muito tempo foi bispo da Diocese da Prelazia de Tefé, a minha cidade natal.

Dom Sérgio e o seu amor por Tefé – despedidas

Dom Sérgio deixou por lá por Tefé uma história de santidade comovente, e sinais de uma vida marcada pela entrega e pelo serviço a Deus, ao amor. Dom Sérgio nasceu em Regente Feijó (SP), em 31 de maio de 1954. Filho de Aurélio Castriani (oficial de justiça) e de Anna de Mello Castriani (professora). Foi formado na Congregação do Espírito Santo, tendo feito seus primeiros votos religiosos no dia 2 de fevereiro de 1975 e ordenado padre em 9/12/1978, na cidade de São Paulo.

Um breve relato seu: “A mudança de São Paulo para Roma não teve esta dramaticidade toda. Só o povo da rua quis celebrar comigo uma missa de despedida. Guardo o cálice até hoje como uma relíquia do compromisso com os últimos da sociedade. Quando fui nomeado bispo coadjutor de Tefé, pensei que ia ficar por lá o resto dos meus anos. Investi muito na vida pastoral, nas amizades, nas realidades que permanecem. Tudo foi feito numa perspectiva de permanência minha à frente da Prelazia”.

“Mas fui surpreendido com a transferência para Manaus. Foi difícil sair de Tefé e acho que depois de sete anos ainda não saí. Manaus representa na minha vida a coroa que Deus me dará no nosso encontro definitivo. Encontrei aqui um povo maravilhoso, composto de pessoas de um nível humano invejável. A capacidade de solidarizar-se com os que sofrem, seja quem for, a religiosidade que não perde nunca a esperança. Desta vez não haverá despedidas”.

Dom Sérgio Castriani, que renunciaria ao Arcebispado da Arquidiocese de Manaus devido ao mal de Parkinson – Foto: Divulgação/PVA.

Dom Sérgio Castriani: Nota Biográfica Oficial do Vaticano

Como padre, seu primeiro trabalho foi realizado na cidade de Feijó, no Estado do Acre, em 1979, na Diocese de Cruzeiro do Sul. Depois foi diretor da casa de formação dos estudantes de Filosofia de sua congregação religiosa em São Paulo, na Vila Mangalot. Foi ecônomo da casa provincial em São Paulo e conselheiro geral de sua congregação por 6 anos, época em que viveu em Roma, na Casa Generalícia. Como padre dedicou-se, com destaque, como assessor da Pastoral da Juventude.

O Papa João Paulo II o nomeou bispo coadjutor da Prelazia de Tefé em 1998. Em 2000 tornou-se bispo titular da Prelazia. Em maio de 2007, foi delegado pela CNBB, na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, em Aparecida. Foi por oito anos Presidente da Comissão Episcopal para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Coordenou a Comissão do documento da CNBB: Comunidades de Comunidade: Uma nova Paróquia, a Conversão pastoral da Paróquia.

Dom Sérgio Castriani com Dom Leonardo Steiner, que era bispo auxiliar de Brasília, e que o sucedeu após renúncia por questões de saúde – Foto: Euzivaldo Queiroz/Divulgação/PVA.

No dia 12 de dezembro de 2012 foi nomeado pelo Papa Bento XVI como Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Manaus. Tomou posse no dia 23 de fevereiro de 2013, em uma missa celebrada na Igreja da Matriz Nossa Senhora da Conceição. Recebeu o pálio, das mãos do Papa Francisco, na Basílica de São Pedro, em 29 de junho de 2013.Em razão das limitações físicas causadas pelo Mal de Parkinson, teve seu pedido de renúncia aceito no dia 27 de novembro de 2019 e tornou-se arcebispo emérito da Arquidiocese de Manaus. Missionário de corpo e alma! É dele a afirmação: aceito ser transferido para qualquer diocese, desde que seja na Amazônia. E na Amazônia ele permaneceria até a sua morte, ontem (03/02/2021).

Um sorriso altruísta inesquecível, que ficará em nossa memória – Foto: Divulgação/PVA.

A Morte dos Santos de Deus

A morte sempre me causará espanto, mas nunca assombro. Ela me fará chorar muito ainda, antes que eu mesmo seja por ela arrebatado. E eu jamais saberei – e nem ninguém – explicar a morte como sendo um componente ‘esperável’ da vida. Mas posso escrever o que pressuponho da morte, e das sensações irreparáveis e perdas que ela promove. Perda como essa, de Dom Sérgio Eduardo Castriani, Arcebispo Emérito e amado de Manaus. E como não posso dizer-lhe mais uma única palavra, e como jamais o verei de novo em um batelão, deixo para ele o meu poema de descanso. Ele está pessoalmente com Deus, que o abraça com amor. Para ele, dedico: “Eu Nunca Lhes Direi Sobre a Morte”: (Paulo Queiroz).

Eu jamais lhes direi sobre a morte…

Eu não a conheço… Só de vista.

O que sei sobre ela é o que você

Também já sabe, no matagal da vida…

 

Só sei que ela é autoritária, furtiva,

Tirana, egoísta, mimetista,

E que se transforma em flores,

Em amores, em noite, e em enxurrada,

E arrasta tudo o que vê pela frente:

Primos, pais, filhos, paixões, amigos…

 

Ela gosta de aperfeiçoar a surpresa,

E extingue a expectativa do amanhã.

Nós sempre deixaremos de sermos nós,

Ela, porém, jamais deixará de ser ela!

 

Eu nunca lhes direi sobre a morte,

Porque quando eu a conhecer

[Cujo encontro inevitável, por certo,

Já está marcado à revelia minha],

Será muito tarde para lhes contar…

 

Ela não é covarde, ela é apenas louca:

Um relâmpago sem som, sem luz,

Que cai em um único lugar por vez:

Dentro da alma — e usurpa, e rouba…

Por isso é que eu nunca serei capaz

De lhes dizer sobre a morte…

Só sei que ela vai, e ela volta… Sempre…

Fico aqui, agora, n’algum lugar da Amazônia, lutando num luto lamentável, chorável, pela partida avexada do amado Dom Sérgio Castriani, um santo curioso, querido e bom. Fico sim, ensimesmado acerca do quanto a morte é tola, idiota e insana, que subestima os que ainda ficam. Ela sempre acha que será capaz de nos fazer esquecer os que amamos e que partiram… Como a morte é tola!

Da Redação:

Editorial de Paulo Queiroz para o Portal Voz Amazônica e para a Rádio Cultural da Amazônia

você pode gostar também
1 comentário
  1. Elianete Ramos Lemos Diz

    Meus sentimentos e linda homenagem ao carismático e inesquecível D.Sergio Castriani, um santo que em paz descansa no reino de Deus!

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.