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E DE REPENTE TUDO PAROU

Após a confirmação, em fevereiro de 2020, do primeiro caso de covid-19 no Brasil, março foi o mês em que o “sonho de sonhador” de Raul Seixas tornou-se realidade e a terra, literalmente, parou,

Um vírus que foi identificado em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China mudou a vida da humanidade. Indústrias paradas, Shoppings, lojas e restaurantes fechados, reuniões canceladas, happy hours desmarcados, escolas sem alunos, abraços proibidos e distanciamento decretado.

Outro dia ao passar em frente à escola em que meu filho estuda, ao avistá-la fechada, em minutos, passou um filme em minha mente. Lembrei de quando ia buscá-lo, à tarde, após a prática esportiva, às vezes futsal, por vezes tênis de mesa. Era sempre no horário de saída do turno vespertino e, ao entrar na escola, já me deparava com aquele aglomerado de crianças correndo nas rampas e corredores, sorrindo aos berros com os amiguinhos e amiguinhas. Uns sentados conversando, outros praticando esportes. Eu parava ali pela cantina e enquanto aguardava meu filho terminar seu treino, olhava para aquela escola cheia de crianças brincando felizes e me punha pensar: “Essa escola tem vida. Ah como é lindo ver esse movimento de sonhos infanto juvenis”.

Enquanto me deleitava com aquele cenário de felicidade, ficava rememorando minha vida colegial, em escola pública, mas não menos feliz. Vinha-me a lembrança daquela quadra linda da minha escola – IEA – onde brincava, praticava educação física, treinava ginástica olímpica e, ainda, ensaiava para o desfile do dia 05 de setembro, tudo que ocorria, até bem pouco tempo, na escola do meu filho e, subitamente, tudo parou.

Sem oportunidade de questionamentos, fomos obrigados a nos reinventar. A revolução que talvez vivêssemos durante os próximos 10 anos, teve que ser antecipada e materializada num piscar de olhos. Trabalhos em home office; aulas, reuniões e audiências virtuais; compras e vendas on-line; entregas somente em drive-thru; encontros adiados, rostos cobertos por máscaras e, beijos e abraços substituídos por frios, e amedrontados toques de cotovelos ou mãos.

No entanto, nenhuma dessas mudanças teve impacto tão devastador quanto as consequências da própria doença causada pelo vírus SARS-coV-2. No Brasil, do primeiro caso registrado em fevereiro de 2020, não demoraram seis meses para incrédulos, assistirmos a morte de mais de cem mil pessoas. Passado um ano, já são mais de trezentas e nove mil mortes em razão da covid-19. É algo assustador. São trezentas e nove mil famílias sofrendo a perda de seus entes queridos.

Manaus passou por momentos nunca vividos, quiçá imaginados, em duas ondas da doença. A segunda com consequências avassaladoras em razão da insuficiência de oxigênio para socorrer os pacientes mais graves, muitos dos quais foram a óbito por asfixia. Sistemas de saúde e funerários colapsados; seres humanos enterrados em valas comuns; pais desesperados em portas de hospitais tentando salvar os filhos; cenas apocalípticas.

A segunda onda alastrou-se pelo Brasil. No dia 22 de março deste ano, de acordo com informações da agência CNN, foram registradas, no Brasil, duas mil trezentas e seis mortes por covid-19, é como se caíssem, num dia, cinco aviões modelo Boing 747 cuja capacidade é de 410 passageiros e mais um avião com outros duzentos e cinquenta e seis.

O temor agora é a morte de pessoas por falta de sedativos para intubação. Pandemia fora de controle. Brasil epicentro mundial da pandemia de covid-19.

Tudo que uma nação precisa em meio a uma pandemia dessa proporção, é de uma liderança que transmita serenidade, segurança e assuma o controle da situação.

No Brasil, em meio ao caos, além do medo, da ansiedade e da necessidade de enfrentar e se adaptar a uma situação jamais vista, os brasileiros ainda tiveram que lidar com as notícias de corrupção por parte de governadores e com o discurso e as ações negacionistas do chefe maior da nação, que desafiou o vírus, desacreditou à ciência e às organizações internacionais de combate a pandemia; desestimulou medidas sanitárias como o uso de máscaras, condenou o isolamento social menosprezando  à gravidade que representava o vírus para a humanidade, indo na contra mão de tudo que tem sido feito nos países que tem um melhor desempenho no enfrentamento  ao vírus, assim como, o que tem sido orientado pelos cientistas e pela Organização Mundial da Saúde.

Nesse período de pandemia, o Brasil bateu um recorde, o de Ministros da Saúde que já somam quatro, o último nomeado um dia antes de o Brasil bater outro triste e inimaginável recorde, 309 mil mortes pela covid-19.

Esse crescente e efetivo número de perdas humanas, parece deixar as pessoas entorpecidas, inertes e incapazes de mensurar o tamanho da tragédia e a gravidade da situação que vivemos, assim como de concluir que somente a vacina será capaz de conter a pandemia. Todavia, o Brasil não comprou vacinas no momento em que deveria, e, na ausência de vacinas, a experiência mundial, iniciada na china e que serviu de farol para o resto do mundo, tem demonstrado que a única estratégia que se conhece até agora, capaz de barrar a doença, é o isolamento social.

Todo mundo ama viajar, ir ao shopping, festejar, ir ao trabalho, conhecer gente nova, abraças, beijar. Nenhum ser humano, em sã consciência, dirá que está amando viver “preso”; que acha legal ver lojas fechadas, shoppings vazios, crianças vivendo de forma restrita a fase mais linda e importante da vida. No entanto, não se pode relativizar a vida e banalizar a morte, muito menos assumir o risco de promover a ocorrência desta, em detrimento da proteção daquela.

O momento é de transformar a dor em amor aqueles que mais precisam e ao invés de estimular, quem já tem tão pouco, a acreditar que se não morrer de covid-19, morrerá de fome e por isso deve arriscar sua vida, melhor seria praticar a solidariedade, mas, sobretudo, exigir do Poder Público que os ampare.

Mesmo em meio às sombras, esse é um momento de vibrar com a luz; de seguir os protocolos, em respeito a si e ao próximo; de manter a fé e a esperança; de encarar a pandemia como instrumento de ensinamentos, de transformação. A reflexão é um bom caminho, quem sabe a covid-19 veio para nos ensinar: ensinar a nos proteger, a nos adaptar, a votar, a conviver com consciência na natureza. O melhor é encará-la como um desafio, afinal são os desafios que nos impulsionam e tantas perdas não podem ter sido em vão.

Ao depararmo-nos com uma rocha no caminho, é preciso contorná-la, se quisermos continuar. A vista disso, sejamos como a água, resilientes e flexíveis, somente assim conseguiremos sair melhores e transformados desse cenário porque passa a humanidade e quem sabe até entoar a última estrofe cantada pelo poeta: “e o doutor não saiu pra medicar, pois sabia que não tinha mais doença pra curar”.

 

 

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